O glorioso Príncipe da Milícia Celeste - São Miguel Arcanjo

 

            "Todos os espíritos bem-aventurados são dignos do mais profundo respeito; mas São Miguel tem um direito particular a nossas homenagens em razão de sua alta dignidade, sobre a qual São Lourenço Justiniano se explica nestes termos: "Veneremos a eminência de sua glória, suas prerrogativas singulares, a fidelidade de seu ministério, seu poder vitorioso, a confiança com que o Criador lhe distingue, seu invencível valor; e nele devemos venerar sobretudo a Deus que o criou, e que também criou a nós." 

            A grandeza deste ilustre Arcanjo se compreende sob estes três títulos de honra: ele é ao mesmo tempo o Príncipe da Côrte celestial, o poderoso Protetor dos desgraçados que o invocam, e temível inimigo dos maus. 

            Cada Anjo é, sem dúvida, Príncipe do céu; mas São Miguel é o mais nobre e o mais elevado de todos: isto é o que, segundo os intérpretes, quer dizer a Santa Escritura com estas palavras - "unus de principibus primis", um dos primeiros Príncipes. Por outra parte seu valor mereceu o primeiro lugar entre entre os coros angélicos. Sendo o mais imediato a Deus, recebe imediatamente Suas ordens, e os Anjos inferiores as recebem por meio dele. Ele é o que os purifica, os ilustra e aperfeiçoa. O amor dos Serafins, as luzes dos Querubins, a paz dos Tronos, e todas as perfeições dos demais coros se encontram reunidas na pessoa de São Miguel.

            São Miguel é um grande Príncipe: assim o manifesta seu próprio nome que significa a incomunicável perfeição de Deus; nome que não é uma vã denominação honorífica, mas um título de glória e triunfo; nome sublime que expressa todo o respeito e homenagem que a criatura deve tributar a Seu Autor; nome glorioso e triunfante, que humilha o orgulho dos homens depois de haver abatido o dos anjos rebeldes. São Miguel é Príncipe pela nobreza de sua origem que tem do mesmo Deus: única nobreza digna deste nome, única que possa dizer-se verdadeiramente ilustre. Quem poderá formar uma justa ideia deste Arcanjo, que é olhado como a mais bela expressão, a mais rica imagem da Divindade? 

            Cumulado de dons e de privilégios, ainda recebeu a graça de ser superior, para comunicar as ordens de Deus aos Anjos sujeitos à sua autoridade. Por sua vez correspondeu com a mais perfeita fidelidade a esta graça especial; assim também foi grande e magnífica a recompensa com que Deus premiou esta fidelidade, pois os brilhantes despojos de lúcifer passaram às mãos do glorioso vencedor e foram o imortal troféu de sua vitória. 

            Sim, São Miguel é um grande Príncipe, e é nosso em particular. Assim dizia o Anjo a Daniel: "Miguel, vosso Príncipe é o único de quem eu recebo socorro para poder livrar ao povo." Este glorioso Arcanjo, lutando sempre em nosso favor e conosco, vai constantemente diante de nós acompanhado de seus Anjos de luz. Também é o Anjo tutelar da Igreja militante, a qual combate sob sua bandeira vitoriosa. Se em tempos antigos, no dias de temor e de rigor, operou tantas maravilhas em favor da sinagoga, quantos benefícios, quantos auxílios não receberá dele a Igreja cristã? Em vão o demônio levantou contra ela o poder dos Césares, o furor dos perseguidores, os sofismas de uma vã e falaz filosofia, a apostasia de toda linhagem de sectários: São Miguel esteve sempre ao lado da Igreja para fazê-la triunfar de seus mais encarniçados inimigos. Ele é o que ilustra aos pastores e os dirige para o bom governo das almas, o que mantém a paz no meio das mais desastrosas tempestades que agitam continuamente a Arca Santa. Protegida a Santa Igreja pelo forte armado do mesmo Deus, pelo enviado do Espírito Santo, pelo mensageiro do divino Fundador e de Sua augusta Mãe, se sustenta com segurança e firmeza em meio das vicissitudes dos séculos, coroada sua fronte de glória e toda aformoseada com nobres e honrosas cicatrizes.

            Acredita-se piedosamente que São Miguel é o Anjo por meio do qual o Sacerdote roga a Deus no Santo Sacrifício que nossos dons sejam levados desde o Altar ao trono do Eterno. Constante mediador entre o céu e a terra, oferece, em união com o Sacerdote, a Vítima Imaculada. Presidindo a cátedra do Espírito Santo, sendo guerreiro magnânimo e um protetor decidido, forma e assiste aos pregadores apostólicos, ajuda poderosamente aos Príncipes cristãos nas guerras justas, e prodigaliza seus bens aos que acodem a ele com devoção e confiança.

            Eu me humilho diante de vós, ó Santo Anjo do Senhor, deslumbrado com vossas relevantes perfeições cujo brilho singular minha debilidade não pode suportar. Eu vos invoco com a mais terna confiança: afugentai com a força de vosso braço a essa multidão de poderosos inimigos que tanto vos temem e que me rodeiam de todas as partes. Quão ditoso seria eu se, a exemplo vosso, procurasse armar-me à maneira de uma fortaleza inexpugnável com os vivos sentimentos da grandeza de Deus!

            São Miguel é um poderoso protetor. "Miguel que defende aos filhos de vosso povo se armará em vosso favor.", diz a Divina Escritura. Com efeito, os hebreus o reconhecem pelo primeiro dos Arcanjos, pelo Capitão da milícia celestial, pelo Anjo tutelar de Israel. O mesmo povo hebreu estava persuadido que se refere a São Miguel o que está escrito no livro do Êxodo: "Meu nome está nele e ele irá diante de vós." Miguel aparece a Josué, o qual se prostra a seus pés; Miguel é o que dirige os israelitas por entre os áridos desertos da Arábia, durante cuja peregrinação ele escolhe e fixa os lugares de repouso, e ao fim os leva à terra prometida.

            Na nova lei, lhe foram confiados três cargos junto de cada fiel: Miguel os assiste nos combates, proporcionando-lhes o socorro durante o ataque; fortalece-os até com a lembrança de seu próprio nome, diz São Bruno; recebe suas almas quando saem da prisão do corpo. Ele é representado com uma balança na mão, sem dúvida para significar que seu informe sobre o mérito de nossas obras decide a sentença do Juiz Supremo. Em fim, segundo asseguram Santo Agostinho e São Boaventura, conduz ao céu aos que permaneceram fiéis nesta vida. Isto se infere também das palavras que se dizem no santo Sacrifício. A Igreja, sempre solícita pela salvação de seus filhos, roga ao Senhor que  o glorioso Capitão da milícia celestial acompanhe às eternas moradas as almas dos que concluíram sua peregrinação neste mundo; e ao mesmo Arcanjo lhe roga que por sua poderosa intercessão junto de Deus as preserve ou as tire das ardentes chamas do purgatório. Feliz o que durante a sua vida tenha sido zeloso pelo culto deste grande Arcanjo! São Miguel o protegerá, especialmente naquele terrível transe no qual, desvanecendo-se totalmente a vaidade e o nada das coisas mundanas, permanecerá somente em presença da eternidade.

            Oh poderoso protetor! Para a hora da morte é que principalmente vos invoco: tomai vossas armas e vosso escudo para defender-me; acudi-me para ajudar-me; apressai-vos para socorrer-me; salvai-me das garras do leão infernal e conduzi-me às ditosas moradas da eternidade.

        Não há necessidade de acrescentar que São Miguel é o implacável inimigo dos ímpios e dos soberbos. Depois da espantosa queda de lúcifer existiram e existem espíritos orgulhosos que com a mesma arrogância que o primeiro apóstata dizem: "Subirei ao céu, sentar-me-ei ao lado do que reina ali como Soberano; disputar-lhe-ei seu  trono e seu império." São Miguel os combate e os aterroriza com esta palavra sempre vitoriosa: "Quem como Deus?" E quando encontra uma obstinada e temerária resistência, então é quando persegue com zelo vingador a louca e criminosa ousadia: este é outro dos traços de semelhança com Deus, resiste aos soberbos e cumula de graças aos humildes."

(Retirado do livro "Los Santos Ángeles" , com Imprimatur de D. Pablo-Teresa-David d'Astros, Arcebispo de Tolosa. Ano de 1844)